Camilo Dois Séculos Depois
Congresso Internacional


Camilo Dois Séculos Depois
Congresso Internacional
Centro Olga Cadaval - Auditório Acácio Barreiro, 23 a 25 de outubro 2025
Apresentação
200 anos passados sobre o nascimento de Camilo Castelo Branco (1825-1890), importa assinalar a efeméride com um Congresso Internacional dedicado à vida e obra do primeiro escritor profissional português e um dos mais importantes da época romântica. Tendo sido “o caudal decisivo do movimento revolucionário” que, segundo Abel Barros Baptista (Camilo e a revolução camiliana, 61), ocorreu na ficção romanesca portuguesa e tendo legado uma obra de enormes dimensões, com partes ainda por editar, Camilo é um autor confirmado na cultura e no cânone portugueses. A diversidade do que escreveu, bem como a ligação, idiossincrática, entre obra e vida, além do fulgor do talento (ou genialidade) não tornam simplesmente a sua obra num monumento para leitores e especialistas. Mais do que isso, tais circunstâncias concitam a necessidade de renovar, de modo constante e apropriado, a pesquisa, o estudo e a divulgação de conhecimento. Tanto se pode dizer o que não está dito como rever o que foi dito no passado. E, se é pertinente ler Camilo à luz da contemporaneidade, também o será entender o que escreveu como actualizável, ou seja, veículo para observar a realidade presente e, mais ainda, como algo preparatório da referida contemporaneidade, quer na expressão literária (por exemplo, o hibridismo genológico, a auto-ficção, a polifonia), quer em matérias político-sociais (a liberdade amorosa ou tipos de liberdade social).
As áreas e linhas temáticas a seguir apresentadas situam-se na tradição, na “revolução” e no futuro, no pressuposto de que Camilo foi um ficcionista de relevo mundial e um intelectual, criador, segundo o próprio, de uma “filosofia” desenvolvida em diferentes tribunas, entre as quais a própria ficção. Quanto ao intuito do Congresso, para além da homenagem, reside em manter o diálogo autor-leitores na expectativa de que Camilo Castelo Branco escape a uma certa fatalidade que proclama os escritores como ilegíveis ou datados.
Durante o Congresso será inaugurada a Exposição com o mesmo título, que mostrará peças da Colecção Camiliana de Sintra e de outras coleções.
Áreas e linhas temáticas



Contextos de escrita: diversidade e repercussão
Crítica textual e crítica genética
As palavras dos textos e sua composição
. Reflexos, pontos de vista e uso na produção escrita da História de Portugal e da História internacional.
. Inscrição ou marginalização no Romantismo português e noutros Romantismos.
. Leitura do pensamento social: idealismo, cepticismo e processos de intervenção.
. Portugal, Brasil e Europa no tempo de Camilo.
. A socialização do texto camiliano: Camilo e os seus editores, tipógrafos e outros agentes sociais.
. O processo de escrita camiliano: materialidades da escrita e a génese das obras.
. Dar a ler Camilo: as edições da obra camiliana, passadas, presentes e futuras.
. Fontes da obra camiliana.
. A língua literária de Camilo.
. Linguagens da ficção camiliana.
. Expressão retórica e expansão oratória: casos e estudo da eloquência camiliana.
. A sintaxe.



A fábrica ficcional
. Modos literários: teatralidade; formas de expressão lírica.
. Géneros literários; cruzamentos genológicos.
. Vozes da narrativa e condução da leitura.
. Escrita folhetinesca, escrita jornalística, poesia, teatro.
. Escrita fragmentária.

Poética
. Programas literários de Camilo no decurso da sua obra.
. Manifestações de escrita de vanguarda.
. Polémicas literárias.
A vida
. Estudos biográficos e de auto-ficção aplicados ao caso camiliano.
. Escrever ou não escrever (mais) uma biografia de Camilo Castelo Branco.
. O retrato do autor pelo próprio.
. Epistolografia.
. Profissões, ocupações: o jornalista; o tradutor; o bibliófilo; o mercador.
Inscrição e permanência no cânone literário
. Processos de inscrição, incluindo a recepção na literatura, na música, nas artes plásticas no cinema, no teatro e em sistemas educativos.
. O lugar presente e um lugar futuro no cânone português e/ou outros.
Programa
Quinta, 23
9.00 Entrega de pastas
9.10 Abertura
9.25 Dr. Basílio Horta, Presidente da Câmara Municipal de Sintra
9.40 Prof. Dr. Hermenegildo Fernandes, Director da Faculdade de Letras de Lisboa
10.00 Conferência: Ivo Castro
Processo editorial: dois casos em confronto, Amor de Perdição e O Bem e o Mal
10.30 Break
Comunicações (1º painel)
10.40 Alexandre Dias Pinto (FLUL/CLUL)
O manuscrito de O Santo da Montanha: descoberta, descrição e autenticação
11.00 Jorge Baptista (CMS / ARTIS / CIEBA)
A Coleção de Arte da Camiliana da Sintra
11.20 Gustavo Rubim (NOVA FCSH / IELT)
O romancista apanha boleia (dum crítico)
11.40 Debate
11.50 Break
Comunicações (2º painel)
12.05 Ernesto Rodrigues (FLUL / CLEPUL)
Ementas para a reedição das polémicas de Camilo
12.25 Ricardo Nobre (FLUL / CEC)
A Antiguidade de Camilo
12.45 Fernando de Moraes Gebra (U. Évora / CEL)
Brasileiros na liteira de Camilo Castelo Branco
13.05 Debate
13.15 Almoço
15.15 Conferência: Abel Barros Baptista (NOVA FCSH)
O problema das intercadências desvanecidamente faceciosas
15.45 Break
16.05* Concerto Lua de Vinil, com Rita Abranches (piano) e Pedro Walter (voz)
17.15* Inauguração da Exposição Camilo em Dois Séculos (Biblioteca Municipal de Sintra – Sala Vergílio Ferreira)
Sexta, 24
10.00 Conferência: André Corrêa de Sá (U. California Santa Barbara)
Tradições Inconvenientes: Camilo, crítica e outras formas de desobediência
10.30 Break
Comunicações (3º painel)
10.40 João Paulo Braga (UCP / CEFH)
“A pomba e o abutre” dentro do “cofre do capitão-mor”: génese e estrutura de uma narrativa curta de Camilo
11.00 Frederico Benvinda, Soraia Carvalho, Teresa Nunes (FLUL / CH)
Na senda de Camilo Castelo Branco: os desafios historiográficos da Biografia
11.20 César Magarreiro (Assesta – Associação de Escritores do Alentejo)
Camilo Elvas – Análise de fontes e notas de António Tomás Pires, relativas ao conto A Cruz do Corcovado
11.40 Debate
12.00 Break
Comunicações (4º painel)
12.10 Tânia Furtado Moreira (FLUP / CITCEM)
Eugénio de Andrade, o leitor em segunda mão
12.30 José Vieira (U. Pádua / CLEPUL)
Indagações autoficcionais e outras contemporaneidades em Camilo Castelo Branco. O caso de Duas Horas de Leitura
12.50 Sofia Carvalho (FLUL / CLEPUL)
O Penitente (Camilo Castelo Branco): Pascoaes leitor de Camilo
13.10 Debate
13.20 Almoço
15.15 Conferência: Elias Torres Feijó
A condição humana e o ser vs. dever ser (português): Camilo (vs. Eça) e a compaixão como pano de fundo
Comunicações (5º painel)
15.45 Carlota Pimenta (UCP / CLUL)
O acervo camiliano do Museu João de Deus
16.05 Filipe Machado (UFRGS)
A gestualidade do narrador do romance Vingança, de Camilo Castelo Branco
16.25 Debate
16.40 Break
17.00 Conferência: Isabel Pires de Lima (FLUP/ ILCML)
Refracções camilianas em Mário Cláudio
17.30 Encerramento do dia
(jantar livre)
20.15* Partida de autocarro para o Auditório Municipal António Silva (Cacém)
21.00 Apresentação da peça Um Anjo (baseada em A Queda dum Anjo); Texto de Jorge Palinhos; produção e encenação de Pedro Alves; Companhia do Teatro Mosca
Sábado, 25
10.30 Conferência: Sérgio Guimarães de Sousa (UM/CEC)
Dimensionamentos do Mal na ficção Camiliana
11.00 Break
Comunicações (6º painel)
11.10 Carlos Guardado da Silva, Sofia Bettencourt da Silva, Laureano Ascensão de Macedo, Joaquim Pombo Gonçalves, António P. Batista (FLUL / CEC)
Uma camiliana sintrense, na perspectiva do colecionador Rodrigo Simões da Costa
11.30 Clive Maguire (British Council Coimbra)
A tradução de A Queda dum Anjo
11.50 Debate
12.00 Conferência: Paulo Motta de Oliveira (USP)
Eu, meus amigos e as mulheres
12.30 Debate
12.40 Encerramento
*hora a confirmar
Resumos
Processo editorial: dois casos em confronto, Amor de Perdição e O Bem e o Mal
Ivo Castro (Universidade de Lisboa)
Professor Emérito da Universidade de Lisboa, onde ensinou entre 1969 e 2018 e Doutor Honoris Causa da Universidade de Santiago de Compostela. Especialista em História da Língua Portuguesa e Crítica Textual. Editor de textos medievais, barrocos e modernos, responsável pelas colecções da Edição Crítica de Fernando Pessoa (21 tomos) e de Camilo Castelo Branco (13 tomos), publicados pela Imprensa Nacional. Actualmente, publica obras e alguma correspondência de Leite de Vasconcelos.
Resumo
O processo editorial destes dois romances é relativamente bem conhecido e caracteriza-se pela multiplicidade de etapas que deixaram testemunho. Não se pode dizer o mesmo da maioria das obras de Camilo.
Será feita a comparação entre ambos, na esperança de se detectarem comportamentos comuns, e por isso significativos.
O manuscrito de O Santo da Montanha: descoberta, descrição e autenticação
Alexandre Dias Pinto (Universidade de Lisboa-Centro de Linguística)
Mestre em Literatura Comparada e Doutor em Crítica Textual pela Universidade de Lisboa, tem publicado estudos nas áreas da Crítica Textual, dos Estudos Literários, dos Estudos de Tradução e da Didática. Presentemente, encontra-se a desenvolver um projeto de edição crítica e genética da novela O Santo da Montanha, de Camilo Castelo Branco. É autor de manuais escolares de Português para o Ensino Secundário e, entre 2020 e 2022, foi coordenador de Português e de Línguas Estrangeiras do Projeto #Estudo em Casa, do Ministério da Educação.
Resumo
O número de manuscritos originais de novelas de Camilo Castelo Branco que hoje se conhecem é reduzido, se tivermos em conta a grande produção literária do autor. Daí a relevância que cada uma destas peças assume para o conhecimento do processo criativo empreendido pelo novelista, mas também para a análise do trabalho editorial a que o texto era submetido nas casas impressoras que o davam à estampa. Por esse motivo, o manuscrito recém-descoberto da novela O Santo da Montanha, publicada em 1866, contribuirá para lançar luz sobre a escrita de Camilo na década de 1860 e para a preparação de uma nova edição da obra. Na presente comunicação, dar-se-á notícia da descoberta e da história do manuscrito autógrafo integral desta novela camiliana. De seguida, descrever-se-á o documento na sua dimensão manuscriptológica e caracterizar-se-á, nos seus traços essenciais, a escrita do autor na redação do texto. Seguindo um processo de comparação com outras peças textuais autógrafas de Camilo Castelo Branco, atestar-se-á a autenticidade do manuscrito. Na parte final da comunicação, far-se-á um ponto de situação do estudo e da edição do texto.
A Coleção de Arte da Camiliana da Sintra
Jorge Baptista (Câmara Municipal de Sintra / ARTIS / CIEBA )
Doutor em Belas-Artes, na especialidade de Teoria da Imagem, pela UL, com a tese A construção da imagem de Sintra e o itinerário Romântico. A função da gravura na sua formação e difusão (1793-1875). Mestre em Arte, Património e Teoria do Restauro, pela FLUL, com a dissertação Palácio de Seteais e o gosto aristocrático na transição de duas centúrias – 1787/1802. Um projeto romântico de vanguarda para um espaço de excelência, e licenciado em História/História da Arte pela mesma Faculdade. É investigador do Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e investigador do CIEBA - Centro de Investigação e Estudos em Belas-Artes. Técnico Superior de História da Arte da Câmara Municipal de Sintra, é chefe da Divisão de Bibliotecas e Museus no mesmo Município. É membro do International Council of Museums.
Resumo
A coleção de arte da Camiliana de Sintra, integrada no espólio cedido por Rodrigo Simões Costa à Câmara Municipal de Sintra em 1939 – classificado como Bem Cultural de Interesse Público desde 2020 –, constitui um núcleo museológico de relevo dedicado à vida e obra de Camilo Castelo Branco. A diversidade formal e a multiplicidade artística que caracterizam o acervo – composto por 195 obras – permitem abordar a sua memória sob diferentes prismas visuais. Esta notável coleção tem acompanhado a sede da Biblioteca Municipal de Sintra, tendo sido inicialmente apresentada no Palácio Valenças e, desde 2003, na Casa Mantero. De entre as peças mais emblemáticas destacam-se obras de autores como Diogo de Macedo, Roque Gameiro, Stuart Carvalhais e Leal da Câmara, entre outros, traduzindo-se numa notável diversidade que abrange representações mais ou menos realistas ou caricaturais, refletindo diferentes interpretações visuais da figura camiliana. Importa salientar que algumas destas obras foram encomendadas por Rodrigo Simões Costa, evidenciando, assim, o seu papel ativo na construção desta coleção. Concebida por Rodrigo Simões Costa, forma um corpo coeso que potencia a compreensão da imagem e do legado de Camilo Castelo Branco. A complementaridade entre arte, documentação e exposição pública cria uma experiência enriquecedora para investigadores e visitantes, confirmando a importância do património iconográfico na preservação, estudo e divulgação da sua memória literária
O romancista apanha boleia (dum crítico)
Gustavo Rubim (NOVA FCSH / IELT)
Ensina literatura na Nova FCSH, onde também é investigador do IELT, integrando a equipa do projeto “Estranhar Pessoa”. Organizou uma edição de Clepsydra, de Camilo Pessanha, na revista Colóquio-Letras (2000). É autor dos livros Experiência da Alucinação: Camilo Pessanha e a Questão da Poesia (1993), Arte de Sublinhar (2003) e A Canção da Obra (2008) e co-autor, com Abel Barros Baptista, de Importa-se de me Emprestar o Barroco? (2003). Organizou uma nova edição de O Pobre de Pedir, de Raul Brandão (2015). Integra a comissão editorial da revista Dobra – Literatura, Artes, Design (revistadobra.weebly.com) e o conselho consultivo do Boletim de Pesquisa NELIC (UFSC, Brasil).
Resumo
Vinte Horas de Liteira (1864) é o modelo das ficções camilianas em que a generosidade alheia – neste caso, de um amigo – oferece ao romancista a ocasião de encontrar histórias com potencial de resultar num novo livro. O novo livro não é mais que a história de como ele surgiu antes de estar escrito. Mas Vinte Horas de Liteira é também o modelo em que a boleia oferecida vem de alguém que é crítico da profissão de romancista. E, além disso, o amigo António Joaquim é também estranho a qualquer profissão literária, não se impedindo com isso de ter opiniões firmes sobre literatura. A boleia exemplifica uma das formas que a hospedagem assume na ficção camiliana, uma hospedagem em andamento. Confrontando a novela de 1864 com a presença de António Joaquim em Doze Casamentos Felizes (1861), proponho um estudo focado na invenção do romance enquanto espaço miniaturizado de esfera pública literária. Alguns temas caros a Roger Chartier, Richard Rorty e Jürgen Habermas são convocados para a reflexão.
Ementas para a reedição das polémicas de Camilo
Ernesto Rodrigues (FLUL / CLEPUL)
Professor da Faculdade de Letras, é crítico literário, ensaísta, antologiador e tradutor do húngaro. Publicou estudos sobre literatura e jornalismo, crónica jornalística no século XIX e sobre cultura oitocentista e novecentista. Foi responsável pela actualização do Dicionário de Literatura de Jacinto Prado Coelho, editou João de Barros, António Vieira, A. Herculano, Júlio Dinis, Ramalho Ortigão, Guilherme de Azevedo, Alves Correia, Augusto Moreno, José Marmelo e Silva, Raúl Rego, António José Saraiva e a correspondência entre José Régio e Luís Amaro. Editou quatro romances (Eusébio Macário, A Corja, A Queda dum Anjo, Anátema) e uma antologia de poesia de Camilo.
Resumo
Camilo Castelo Branco é o grande polemista do século. As Polémicas de Camilo, ordenadas em nove volumes (1981-1982) por Alexandre Cabral, espelham uma actividade de 38 anos (1849-1887) com reflexos na ficção, na lírica, no pensamento religioso, na crítica literária e historiográfica. Tal veio intergenérico é mais perceptível na polémica d’As Comendas e Aires de Gouveia (1850-1851) iluminando A Queda Dum Anjo (1866) ou na do Cancioneiro Alegre (1879) relacionada com Eusébio Macário (1879) e A Corja (1880), que, entretanto, favorecem a mantida com Alexandre da Conceição (1881). São menos conhecidas as posições miguelistas, logo liberais, que circulam em verso e nas folhas periódicas, ou a defesa de um jesuitismo que, ao dar Perfil do Marquês de Pombal (1882), provoca a Questão da Sebenta (1883). Eis exemplos de um políptico também existencial, o qual embaciou a imagem de um eterno ofendido, que, ao veicular-se em folhetos e numa antologia pouco alegre, visava lucro certo. Este é o retrato do tempo, e de um fim de vida sem adesão popular no funeral. Louvemos esses nove volumes, cuja análise visa melhorias em reedição, em parte ou no todo.
A Antiguidade de Camilo
Ricardo Nobre (FLUL / CEC)
Doutorado em Estudos Portugueses pela FLUL, é investigador do Centro de Estudos Clássicos daquela instituição, Professor Auxiliar Convidado da U. Católica Portuguesa, onde lecciona Latim no Instituto Superior de Direito Canónico, e Professor na Escola Secundária Pedro Nunes, em Lisboa. Colaborou na edição de volumes e na organização dos colóquios A Literatura Clássica os Clássicos na Literatura e fez parte do projecto Historiografía Comparada de las Literaturas Clásicas da Universidade Complutense de Madrid. Editou os Anais de Tácito traduzidos por José Liberato Freire de Carvalho (Nuno Simões Rodrigues) e foi responsável pela edição crítica da Lírica de João Mínimo, de Almeida Garrett (pref. de Paula Morão).
Resumo
Esta comunicação propõe uma leitura da presença da Antiguidade greco-romana na obra de ficção de Camilo Castelo Branco, entendida não como ornamento, mas como elemento estrutural da sua imaginação literária, da sua visão histórica e da sua crítica moral. A partir da análise de um vasto corpus ficcional, serão exploradas as formas como Camilo convoca a Grécia e Roma, os seus mitos, instituições, figuras e linguagens, em múltiplos registos. A investigação articula-se em torno de quatro eixos principais: a evocação da Grécia como modelo estético, filosófico e cívico; a representação de Roma como espaço de poder, de declínio e de teatralidade moral; a presença dos gregos e romanos como tipos antropológicos, paradigmas culturais e dispositivos retóricos; e, por fim, o papel do latim enquanto idioma litúrgico, escolar, satírico e identitário. Em cada caso, será evidenciado o modo como Camilo reinscreve a herança clássica na narrativa, mobilizando-a ora como horizonte de referência cultural, ora como instrumento de desmontagem irónica das ilusões modernas. Longe de propor uma leitura arqueológica ou reverencial dos antigos, Camilo converte-os em matéria viva de ficção, em linguagem crítica e em espelho do presente. Esta comunicação visa, assim, iluminar a densidade intertextual e simbólica dessa presença clássica, nela revelando um profundo gesto da escrita camiliana.
Brasileiros na liteira de Camilo Castelo Branco
Fernando de Moraes Gebra (U.Évora- CEL)
Licenciado em Letras pela Universidade Estadual Paulista, é Mestre em Estudos Literários pela Universidade Estadual de Londrina, com dissertação sobre Fernando Pessoa. É Doutor em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná, com tese sobre Mário de Andrade. Foi professor universitário na área de Estudos Literários no Brasil. Investiga Literatura Portuguesa e Brasileira, nos temas crítica literária, o duplo nos estudos literários e a construção das identidades nacionais e intersubjectivas nas literaturas portuguesa e brasileira dos séculos XIX e XX. Fez estágio de pós-doutoramento na Universidade de Lisboa acerca das poéticas da geração de Orpheu. É autor de diversos artigos publicados em Portugal, Brasil, França, Roménia e Estados Unidos. Actualmente, desenvolve um estágio na Universidade de Évora, sobre textos de imprensa de Alfredo Guisado
Resumo
Vinte Horas de Liteira (1864) insere-se na tradição das narrativas orais contadas para preencher o tempo (Chaucer, Boccaccio). Neste tipo de estrutura narrativa, estudado por Todorov (1969: 132), há um enquadramento contextual, a viagem de liteira do Marão ao Porto (narrativa encaixante), em que António Joaquim assume o foco narrativo ao contar directamente com suas expressões e posicionamentos estético-ideológicos várias histórias (narrativas encaixadas) ao narrador-autor. Nos diálogos entre as duas personagens da narrativa encaixante, confrontam-se, no interior do discurso bivocal (Bakhtin, 2015: 211), duas posições ideológicas. Trata-se de um procedimento utilizado por Camilo Castelo Branco (1825-1890) para confrontar dois discursos, nas suas “profundas contradições e oscilações entre um idealismo e um materialismo” (Saraiva & Lopes, 1996: 777). Das narrativas encaixadas, duas centram-se em “brasileiros”, portugueses retornados à pátria após anos de trabalho árduo no Brasil: “A gratidão” e “A cruz do outeiro”. A inserção de duas narrativas de “brasileiros” com distintas figurações de personagens e percursos narrativos contrários apresenta significativos efeitos de sentido, o que pretendo demonstrar nesta apresentação.
O problema das intercadências desvanecidamente faceciosas
Abel barros Baptista (Nova FCSH)
Abel Barros Baptista, professor catedrático jubilado da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, é autor de vários livros de crítica literária, destacando-se os que dedicou a Camilo e a Machado de Assis. Foi director-adjunto da revista Colóquio/Letras. No Brasil, reuniu alguns dos seus ensaios camilianos no volume Futilidade da novela (Unicamp, 2012).
Resumo
O propósito é examinar a introdução de A Mulher Fatal para deduzir linhas de esclarecimento do cómico camiliano e, por essa via, da composição da narrativa camiliana. Em causa estão as figuras do riso e do autor e a possibilidade de as “intercadências desvanecidamente faceciosas” representarem, não uma anomalia, mas uma tendência caracterizadora e irresistível da escrita romanesca de Camilo.
Tradições Inconvenientes: Camilo, crítica e outras formas de desobediência
André Corrêa de Sá (University of California, Santa Barbara)
Professor Associado no Departamento de Espanhol e Português da Universidade da California, Santa Bárbara, onde ensina Literaturas Luso-afro-brasileiras e Literatura Comparada. É autor de Depressão e Psicoterapia em António Lobo Antunes: Qualquer Coisa que me Ajude a Existir (Leya/Texto, 2019), Livros que Respiram: Pensamento Ecológico e Solidariedade nas Literaturas em Português (Imprensa da Universidade de Coimbra, 2021) e Ecofagias I. Portugal (Gradiva, 2023).
Resumo
Esta comunicação propõe uma defesa crítica da história da literatura num momento em que a crítica literária cede, cada vez mais, à lógica performativa das redes sociais e à moral da visibilidade imediata. Partindo da figura de Camilo Castelo Branco como um “companheiro incómodo”, argumento com que a história literária pode — e deve — resistir à capitulação da crítica perante o presentismo, as retóricas do reconhecimento da crítica comprometida. Num gesto simultaneamente autoetnográfico e analítico, discuto o esvaziamento contemporâneo da crítica como espaço de fricção e debate, hoje frequentemente substituído por práticas de confirmação identitária e performance moral. Recuperar Camilo, neste contexto, não é um gesto conservador, mas uma forma de sabotar as rotinas de leitura herdadas e reabrir o tempo literário como lugar de convivência crítica.
“A pomba e o abutre” dentro do “cofre do capitão-mor”: génese e estrutura de uma narrativa curta de Camilo
João Paulo Braga (UCP-CEFH)
Investigador do Centro de Estudos Filosóficos e Humanísticos (Universidade Católica Portuguesa), tem desenvolvido trabalho de investigação literária, com especial incidência na obra de Camilo Castelo Branco, sobre a qual defendeu tese de doutoramento (UCP, 2011). Tem publicado diversos estudos sobre a obra do romancista e colabora com o Centro de Estudos Camilianos, onde tem editado textos seus.
Resumo
Dispersas por volumes de miscelânea, mais ou menos esquecidos, encontram-se muitas narrativas curtas de Camilo. Algumas delas são obras-primas da arte de narrar, constituindo, no seu conjunto, uma espécie de laboratório de técnica narrativa, onde o autor ensaiou vários processos que o notabilizaram nos seus romances e novelas. É o caso do conto “O cofre do capitão-mor”, incluindo em Noites de Insónia. É nosso objetivo analisar os processos ficcionais e compositivos deste texto, que revelam alguns dos aspetos fundamentais da retórica da ficção camiliana.
Na senda de Camilo Castelo Branco: os desafios historiográficos da Biografia
Frederico Benvinda, Soraia Carvalho, Teresa Nunes (FLUL / CH)
Teresa Nunes é Professora de História Contemporânea na FLUL e directora da licenciatura em Estudos Europeus dessa instituição. É académica correspondente da Academia Portuguesa de História, tem coordenado importantes projectos sobre relações diplomáticas bilaterais e integra redes de investigação internacional sobre monarquias e repúblicas nos contextos europeu e ibero-americano. Frederico Benvinda é doutorando e Soraia Carvalho é Doutora, ambos em História Contemporânea na FLUL.
Frederico e Soraia são investigadores na Cátedra Camilo Castelo Branco, onde desenvolveram estudos sobre o contexto histórico das homenagens camilianas do início do século XX. Os três autores são investigadores no Centro de História da FLUL.
Resumo
Enquanto género historiográfico, a biografia concitou reflexões sobre os contributos para o entendimento do passado. Tal deveu-se à ambiguidade das conceptualizações de Littré, cuja sistematização epistemológica rotulava a biografia como interacção entre a História e a Literatura. Logo, provida de alcance restrito, fruto do objecto, o percurso de “uma única pessoa” (Dicionário Akal de Ciencias Histórias, 76). Essa noção evidenciava as correlações com a História Política e a legitimação do poder. Encomiasta, de feição panegírica ou hagiográfica, a biografia foi secundarizada pela Escola dos Annales, de Bloch e Febvre. Considerada paradigmática dos cânones tradicionais, o exercício biográfico caracterizava-se ainda pela valorização acrítica da temporalidade ou da abordagem exclusiva de líderes. A partir de meados do séc. XX, a biografia foi reabilitada paulatinamente, fruto do alargamento dos interesses e motivações dos cultores do género, da alteração das fórmulas de elaboração, ou das asserções sobre os percursos individuais no conhecimento da expressão colectiva. Esta comunicação pretende contribuir para o esforço de reflexão e problematização subordinados à reconstituição histórica das vivências de Camilo Castelo Branco, atendendo ao perímetro documental, às perspectivas biográficas existentes, às repercussões políticas do autor como da obra respectiva e aos processos de perenidade intentados após a sua morte.
Camilo Elvas – Análise de fontes e notas de António Tomás Pires, relativas ao conto A Cruz do Corcovado
César Magarreiro (Assesta – Associação de Escritores do Alentejo)
Nasceu em Terrugem-Elvas, é escritor, editor, geógrafo e oficial da Marinha. Escreve poesia e romance. Tem ganho alguns prémios literários como Novo Talento Fnac-Teorema (2006), Prémio Maria Rosa Colaço (2008), entre outros, como o Prémio Hernâni Cidade (2024). Atualmente, além de atividades de coordenação cultural e recolha, bem como de escrita em prosa e poesia, exerce as funções de editor da Solid-Story edições. Já em 2025, sobre a relação de Camilo com o Alentejo escreveu o livro Camilo-Elvas, celebrando o Bicentenário, onde aborda o conto A Cruz do Corcovado.
Resumo
A Cruz do Corcovado, publicado pela primeira vez em folhetim no número 91 do Commercio do Porto, de 1870, foi mais tarde incluído, por Camilo Castelo Branco, no livro Quatro Horas Innocentes, 1872. Em 1925 o Grupo dos Amigos do Museu e Bibliotheca Municipal de Elvas, reeditou o conto. Nas notas desta edição, é citado o etnólogo António Tomás Pires que afirma “Noutros «Nobiliarios» vem muito viciada a descripção d'este caso triste, e o insigne romancista Camillo Castello Branco, guiado por elles, aproveitou os elementos, assim em parte deturpados (…) Num dos folhetins d'esta folha reproduzirei o precioso trabalho de Camillo, indicando, em annotações, as infidelidades servindo-me, para tanto, não só da narração (…) mas de varios documentos authenticos e coevos”. Tal não veio a acontecer, pois faleceu em 1913, facto de que também nos deixa nota este Grupo de Amigos, em 1925. Assim, depois de ter tido acesso a parte do espólio e a estes documentos que há mais de um século não viam a luz, encontrei estas anotações, que contribuem para uma melhor análise quer do conto, quer dos factos reais que a obra procura reproduzir.
Eugénio de Andrade, o leitor em segunda mão
Tânia Furtado Moreira (FLUP/ CITECEM)
Professora e investigadora em Literatura Portuguesa Moderna, Teoria Literária, e Semiótica. Licenciada, mestre e doutora pela FLUP, foi bolseira de Doutoramento da FCT. Nos seus trabalhos de especialidade, contam-se, entre outros estudos, pesquisas de fundo sobre a Literatura Camiliana. Investigadora Integrada do CITCEM (U. Porto), colabora com a Cátedra Camilo Castelo Branco (U. Lisboa), no âmbito da qual tem em vias de publicação A Língua de Camilo pela Imprensa Nacional. É curadora e consultora científica das Comemorações do Bicentenário do Nascimento de Camilo Castelo Branco.
Resumo
Num texto deixado incólume pela crítica, Eugénio de Andrade confessa a influência fatal de Aquilino Ribeiro na sua “antipatia” para com Camilo Castelo Branco, acrescida pela comparação inevitável com «o estilo» de Eça de Queirós e por um lirismo descendente “ainda” de Filinto Elísio. Desfiando toda uma relação de assumidos preconceitos de cariz literário e extra-literário, o poeta de Obscuro Domínio acaba, afinal, por revelar um retrato tão concentrado e valioso quanto negligenciado pelos Estudos Camilianos, e que merece escalpelização. A comemoração bicentenária assinalada por este Congresso Internacional afigura-se oportuna ocasião para esse escalpelo revelador dos desafios canónicos que ainda hoje o escritor enfrenta.
Indagações Autoficcionais e outras contemporaneidades em Camilo Castelo Branco. O caso de Duas Horas de Leitura
José Vieira (CLEPUL – Universidade de Lisboa / Cátedra Manuel Alegre – Università degli Studi di Padova)
Professor na Universidade de Pádua, é investigador do CLEPUL e crítico literário. Tem publicado livros e artigos sobre literatura portuguesa moderna e contemporânea, com especial incidência nas obras de Mário Cláudio, Tiago Veiga, José Saramago e Agustina Bessa-Luís. Publicou, com Celeste Natário, Trilogia do Belo (2020). Nos 50 Anos de Vida Literária de Mário Cláudio e, com Barbara Gori, Estudos Para Mário Cláudio (2023). Prefaciou O Responso de Balbininha, Algebrista de Venade, de Tiago Veiga (2019), Embora Eu Seja Um Velho Errante, de Mário Cláudio (2021). Editou, com Carlos Nogueira, Viagem a Saramago. Ensaios (2024) e Que Faremos com José Saramago? Ensaios (2025); organizou o livro A Verdade é de Papel. Ensaios para Tiago Veiga (2024) e publicou A Escrita do Outro. Mentiras de Realidade e Verdades de Papel (2025).
Resumo
Dado à estampa em 1857, Duas Horas de Leitura é uma miscelânea de textos publicados por Camilo Castelo Branco nos tempos da juventude. Contando com a invocação de José Augusto, amante de Fanny Owen, passando pela viagem feita com amigos do Porto a Braga, até à trágica história de Maria do Adro – moça por quem o autor de Amor de Perdição se apaixonara –, o leitor vai tendo acesso a dados biográficos manuseados como se de um romance se tratasse. No bicentenário do “ciclone do alfabeto”, Agustina dixit, e rumo aos 50 anos do aparecimento do termo autoficção, importa perceber de que modo Camilo é também um precursor da lógica autoficcional. Partindo da teoria da autoficção segundo Doubrovsky e outros teóricos, e revisitando ainda a intermedialidade, pretendo refletir sobre a forma como Camilo antevê a autoficção (cum grano salis) – género, subgénero ou estratégia narrativa que carece de estudo em Portugal – como um recurso em que ficção e autobiografia se conjugam sob a lógica da hibridez e da ambiguidade, demonstrando, uma vez mais, a atualidade de um homem que escreveu como um destino.
O Penitente (Camilo Castelo Branco): Pascoaes leitor de Camilo
Sofia A. Carvalho (CLEPUL)
Bolseira de pós-doutoramento (CLEPUL, 2025-2026), é colaboradora no projecto Camoniana Digital (BNP, 2025), bolseira da Residência Literária Eça de Queiroz (2025) e bolseira do programa especial de Bolsas de Criação Literária (DGLAB, 2024). Doutorou-se em Teoria da Literatura (FLUL, 2024) com uma bolsa FCT.
É Mestre em Estética e Filosofia da Arte (FLUL, 2008) e Licenciada em Filosofia (UCP, 2004). Foi Presidente da Comissão Organizadora do congresso internacional Triénio Pascoalino (FLUL, BNP, 2014, 2015 e 2017) e coordenadora de três volumes de ensaios sobre Teixeira de Pascoaes (Colibri, 2017). Foi, ainda, curadora da exposição Pascoaes: do Solar de Gatão ao Universo (BNP, 2017).
Resumo
No prólogo da biografia romanceada de 1942, intitulada O Penitente (Camilo Castelo Branco), Pascoaes confessa ao leitor que foi sua mãe quem o iniciou nas leituras camilianas. Camilo será, por isso, mas não só, um “autor sagrado” para Pascoaes (Pascoaes, 2002: 25). Partindo desta espécie de pacto “sagrado” entre autor e leitor, destacarei primeiramente a visão de Pascoaes sobre o que há de interessante num escritor: a “sua atitude metafísica”. Na verdade, não interessou tanto a Pascoaes a figura de um Camilo “de capa à espanhola, chapéu alto de aba redonda, botas à Frederico, a fumegar por um charuto ironicamente aceso”, mas sobretudo a de um Camilo “interrogador da vida e da morte, e o terrível juiz da Providência”. A partir da atitude metafísica deste segundo Camilo, que segundo Pascoaes condensa a figura do Artista em clara oposição à figura anónima do Senhor Fulano (última biografia do Autor), procurarei elucidar, dentro do sistema poético do Autor, o que entende Pascoaes por drama camiliano ou, por outras palavras, o conflito interior entre o teísta e o ateu. Por fim, aprofundarei as linhas hermenêuticas que conduzem Pascoaes, leitor de Camilo, a afirmar ser aquele o drama que transforma Camilo numa “estátua em bronze” coetânea do “mais alto da sua obra” (ibid.: 26).
A condição humana e o ser vs. dever ser (português): Camilo (vs. Eça) e a compaixão como pano de fundo
Elias J. Torres Feijó (Usc / Rede Galabra)
Professor Catedrático da Universidade de Santiago de Compostela foi Professor convidado nas universidades do Minho, Rio Grande do Sul, Nova de Lisboa, Oxford e Brown. Foi Presidente da AIL (2008-2014), Vice-reitor da USC (2006-2009); Coordenador do Grupo e da Rede de investigação Galabra. Presidente da Faculdade de Filologia da USC (2020-) Último livro: Estudar sem Melancolia: Reflexões Teóricas e Aplicadas nos Bastidores do Sistema Literário, 2022, Universidade de Coimbra. Volumes camilianos: La Brasileña de Prazins. Introdução, edição, tradução e notas (Cátedra, 2003) e O Legado do Último Camilo romancista e a (Auto-)cilada Realista. Estudos Camilianos 8, 2011.
Resumo
Os textos literários funcionam como transmissores de ideias. A segunda metade do século XIX aparece, em casos como o português, como um vigoroso espaço para essa transmissão favorecido pola expansão leitora no seio das elites culturais e pelos crescentes grupos sociais que acedem à leitura. E é um momento de forte debate ideológico no âmbito europeu e americano. Nesse quadro de situação, a literatura aparece como atividade legitimada que não conhece ainda outras fontes que virão rivalizar com ela (caso da rádio) e conta, aliás, com a eventual aliança dos meios de comunicação escritos (através de folhetins, crónicas, críticas, etc.). O ascenso do realismo no sistema literário português coloca em causa a centralidade de Camilo e do seu repertório literário, e evidenciará, ainda mais, as suas posição literária e mundivisão: as de que a condição humana é difícil ou impossível de modificar, o que constitui, também, um combate às ideias que se pretendiam reformadoras e intervenientes socialmente; e que, quando não assoma o niilismo, emerge a religião cristã e os seus valores portugueses: a compaixão, a ternura, a resignação são a justiça poética. A essa luz deve entender-se a sua romançaria nessa altura: como retrato social do que a condição humana (e a portuguesa em particular) é; e que a esse serviço (entreter e consolar) deve dirigir-se a produção literária; frente ao (pretensioso?) dever ser, do realismo.
O acervo camiliano do Museu João de Deus
Carlota Pimenta (UCP / CLUL)
Professora Auxiliar na Universidade Católica e investigadora no Centro de Linguística da U. Lisboa, foi Mestre em Crítica Textual com um estudo genético de A Morgada de Romariz e doutorou-se com um estudo do processo de escrita de Camilo. Tem publicado estudos sobre o mesmo assunto e editou criticamente (em co-autoria) as Novelas do Minho e Carlota Ângela, na Imprensa Nacional. É investigadora na Cátedra Camilo Castelo Branco, onde é responsável pela edição crítica das cartas de Camilo. Tem em curso a edição crítica de A Doida do Candal.
Resumo
Nesta comunicação, proponho apresentar o acervo documental de Camilo Castelo Branco existente no Museu João de Deus, em Lisboa. Além da coleção relativa ao autor da Cartilha Maternal e ao seu filho João de Deus Ramos, o acervo bibliográfico do Museu João de Deus, dedicado ao poeta e pedagogo do século XIX, com quem Camilo se correspondeu e conheceu enquanto deputado em Lisboa, inclui um conjunto de correspondência e obras de outros autores, entre as quais o arquivo de manuscritos do romancista Francisco Teixeira de Queirós, destacando-se um conjunto de cartas autógrafas de Camilo Castelo Branco ao autor da Comédia do Campo, a quem Camilo dedicou “A Morgada de Romariz”, uma das suas Novelas do Minho. Estas cartas, redigidas nas décadas de 70 e 80, revestem-se de importância para o conhecimento sobre a vida e a obra de Camilo nesse período em particular, e a existência documentada de livros com anotações do escritor de Seide no museu sublinha a relevância deste acervo para a investigação sobre a produção camiliana.
Na presente comunicação, procurarei, assim, descrever o conjunto de documentos camilianos do museu, sublinhando a importância do seu estudo para o conhecimento sobre a vida e a obra de Camilo Castelo Branco.
A gestualidade do narrador do romance Vingança, de Camilo Castelo Branco
Filipe Pereira Machado (UFRGS)
Mestrando orientado pela Profa. Dra. Regina Zilberman no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul na linha de Literatura, Sociedade e História da Literatura.
Resumo
O romance Vingança, escrito por Camilo Castelo Branco e publicado pela primeira vez em 1858, é verdadeiramente uma das mais notáveis produções do autor. Subtitulada Romance Original, a obra registra um momento histórico singular para Portugal e para o mundo, refletindo tensões próprias do século XIX, período de intensas transformações. Meu estudo propõe uma análise do procedimento narrativo empreendido por Camilo Castelo Branco na obra, suas nuances e implicações. Em linhas gerais, a análise estabelece enfoque sobre os movimentos e a gestualidade do narrador construído pelo autor, além de discutir a maneira como esses aspectos colaboram, e até determinam, o funcionamento interno da obra. Para isso, lancei mão do conceito de "gesto", de Walter Benjamin, empregado pelo intelectual em sua análise sobre o teatro épico de Bertold Brecht. Em síntese, há possíveis aproximações a serem evidenciadas entre a narração do romance em questão e o que Benjamin descreveu sobre o teatro brechtiano. Os elementos analisados por Benjamin com relação a Brecht foram condensados pelo autor na ideia de “gesto”. Na obra de Camilo, a arbitrariedade da instância narrativa e suas feições de personagem, suas interrupções, seus gestos, conferem à obra tom bastante particular e que convida a mais atenta investigação.
Refracções camilianas em Mário Cláudio
Isabel Pires de Lima (FLUP / ILCML)
Professora Emérita da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, é investigadora do Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa, da Universidade do Porto. Doutorou-se em Literatura Portuguesa com uma tese sobre Os Maias, de Eça de Queirós em cuja obra se especializou, bem como no período da Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea, sobre o qual tem publicado diversos estudos, incluindo os que se debruçam sobre Camilo Castelo Branco. É actualmente Presidente da Fundação de Serralves.
Resumo
O diálogo ficcional de Mário Cláudio com Camilo Castelo Branco está reiteradamente presente na vasta obra daquele autor maior da contemporaneidade, quer se fale do diálogo mais detalhado e directo com uma ou outra obra camiliana, quer se trate do entrosamento da sua ficção com a vida como romance, que foi a de Camilo.
A inspiração camiliana atravessa obras de género distinto em Mário Cláudio, do conto ao texto dramático, passando pelo romance ou pela biografia romanceada.
A aproximação que procurarei fazer entre os dois vultos em questão atravessará diversos textos de um e outro, partindo e centrando-me naqueles de Mário Cláudio que porventura são menos conhecidos do público como O Canalha (2012) ou Duas maquinetas do amor funesto (2017), passando por um inédito como A pomba e o tigre, não deixando, de convocar pontualmente os mais visitados a propósito do caso vertente, “Camilo Castelo Branco e Ana Plácido”, de Triunfo do amor português (2004), e Camilo Broca (2006).
Pretende-se que uma tal aproximação possibilite identificar as mais constantes refracções camilianas em Mário Cláudio, nas suas diversas declinações.
Dimensionamentos do Mal na ficção Camiliana
Sérgio Guimarães de Sousa (UM/CEC)
Doutorou-se em Literatura Portuguesa com a tese Entre-Dois. Desejo e Antigo Regime na ficção camiliana. Leciona Literatura Portuguesa e Teoria da Literatura na U. Minho. Foi Professor Convidado nas Universidades Blaise Pascal, São Paulo, FLAD/Michael Teague Visiting Associate Professor na Brown University e, mais tarde, por concurso internacional, Associate Professor na mesma instituição; e ainda Professor Visitante na U. Massachusetts Dartmouth, titular da Cátedra “Hélio and Amélia Pedroso/Luso-American Endowed Chair in Portuguese Studies”, e na U. Federal do Paraná. É Coordenador Científico do Centro de Estudos e da Casa-Museu de Camilo Castelo Branco (V. N. de Famalicão) e Conselheiro da Cátedra Camilo Castelo Branco. Especialista na obra de Camilo, sobre ela tem publicados diversos artigos e livros, além de ter fixado o texto de várias novelas e romances.
Resumo
A ficção camiliana, na qual abundam crimes, vinganças e expiações, pode, sem dificuldade, ser (re)lida enquanto poética do mal. Procuraremos rastrear uma possível cartografia da ontologia do mal em Camilo, sublinhando as suas especificidades e declinações, especialmente as que se prendem com patriarcas autoritários e cheios de prosápia.
Uma camiliana sintrense, na perspetiva do colecionador Rodrigo Simões da Costa
Carlos Guardado da Silva, Sofia Bettencourt da Silva, Laureano Ascensão de Macedo, Joaquim Pombo Gonçalves, António P. Batista (FLUL / CEC)
Os autores são investigadores da equipa de Information Science do Centro de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, liderada por Carlos Guardado da Silva, Professor Associado com agregação em Ciência da Informação, diretor do Doutoramento em Ciência da Informação e do Programa em Ciências da Documentação e Informação da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Resumo
Este é um estudo introdutório à Camiliana primitiva de Sintra na perspetiva do seu colecionador Rodrigo Simões da Costa, que reuniu um conjunto de objetos – sobretudo livros – relacionados com Camilo. Um estudo que assenta em métodos mistos, orientado pelo paradigma pragmático e suportado pelo método de Investigação documental. A Camiliana de Rodrigo Simões da Costa integra autógrafos literários do autor, edições raras (primeiras edições, bem como outras contrafeitas), periódicos onde Camilo publicou os seus folhetins e outros em que foi redator ou colaborador. Mas a coleção cresceu para incluir folhetos, correspondência do autor e iconografia, e outros autores que escreveram sobre o escritor, e temas com que Camilo se viu confrontado, com a doença, o suicídio, entre outros. O catálogo encontra-se dividido em cinco partes: as obras de Camilo Castelo Branco; Camilianos, por autor; Camilianos, por obra; catálogo de jornais; e catálogo de espécies artísticas e curiosidade [catálogo iconográfico]. Em quase todos os registos, Rodrigo Simões da Costa faz anotações sobre os documentos que compra, evidencia a sua pesquisa, manifesta a sua alegria pela aquisição. Sobressai a imagem de um leitor e estudioso incansável de Camilo, que faz anotações nas fichas, aclarando incorreções nas obras sobre o escritor.
A tradução de A Queda dum Anjo
Clive Maguire (British Council Coimbra)
Clive Maguire trocou o conforto da mediocridade britânica pela Amazónia brasileira nos anos 1990. Lá, percorreu mais de 10.000 quilómetros pelos rios amazónicos como guia de selva, antes de se tornar professor e tradutor no Brasil e, mais tarde, em Portugal. Em 2024, enfrentou com alguma apreensão a tradução de A Queda d’um Anjo e, desde então, escreveu um artigo sobre esse processo para uma revista de estudos literários.
Resumo
Esta comunicação baseia-se na minha experiência de tradução de A Queda d’um Anjo, de Camilo Castelo Branco, para inglês. A partir de reflexões desenvolvidas na nota do tradutor que acompanhará a publicação da obra, abordarei alguns dos principais desafios enfrentados no processo – desde as oscilações de estilo entre a linguagem erudita e os registos coloquiais, até à recriação da ironia e sátira política características de Camilo, para um público anglófono contemporâneo. Explicarei as decisões tomadas relativamente à preservação de nomes, formas de tratamento e referências culturais, bem como as estratégias utilizadas para manter um equilíbrio entre legibilidade e fidelidade ao original. Reflectirei também sobre a possível recepção do romance entre leitores de língua inglesa, sobretudo os familiarizados com os clássicos britânicos do século XIX, e sobre o que a tradução literária pode revelar – e, por vezes, ocultar – ao mediar entre culturas. O objectivo é oferecer uma perspectiva prática e pessoal sobre o ofício da tradução, ancorada numa leitura atenta da obra, mas livre das exigências de uma apresentação académica convencional.
Eu, meus amigos e as mulheres
Paulo Motta Oliveira (USP)
Professor Titular da Universidade de São Paulo, é bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, pesquisador associado do Centre de Recherche sur les Pays de Langue Portugaise (CREPAL), membro do Conselho Consultivo da Cátedra Camilo Castelo Branco (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa / Município de Sintra) e do grupo de pesquisa Camilo Castelo Branco (CNPq). Pesquisa, principalmente, a literatura portuguesa do século XIX e do início do XX, bem como as relações entre esta e outras literaturas. Atualmente estuda as representações oitocentistas da escravidão nos romances de língua portuguesa e francesa.
Resumo
A partir da década de sessenta do século XIX, em vários de seus livros, Camilo Castelo Branco se apresenta como o narrador da história. Em alguns deles ele também aparece como amigo do protagonista do romance. O objetivo de nossa apresentação é o de refletir sobre as relações que se estabelecem, em duas obras, Amor de Salvação e A Mulher Fatal, entre este narrador/escritor/personagem, seus amigos e as mulheres que estes julgam amar.
Comissão Organizadora

Cristina Sobral
(U.L./Centro de Linguística)


Serafina Martins
(U.L./CLEPUL)
Ana Pereira
(BMS)


Carlota Pimenta
(U. Católica Portuguesa)
Secretariado: Carolina Pita
(FLUL/Programa em Crítica Textual)
Participantes sem comunicação
Aos assistentes sem comunicação será atribuído um certificado de presença, desde que garantam a assiduidade a pelo menos 75% das comunicações.
Para esse efeito haverá uma folha de presenças durante o congresso.
Participação gratuita, mediante inscrição prévia AQUI.